Inconstitucionalidade da exclusão do ICMS do custo de aquisição para fins de creditamento do PIS/Cofins

Inconstitucionalidade da exclusão do ICMS do custo de aquisição para fins de creditamento do PIS/Cofins

Foi publicado no dia 12 de janeiro de 2023, a Medida Provisória (MP) nº 1.159/2023, que alterou as Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, que regulamentam o regime não cumulativo do PIS e da Cofins, determinando a exclusão do ICMS na apuração dos créditos destas contribuições. 

A mudança passa a valer a partir de 1º de maio. Assim, no que diz respeito ao cálculo do crédito de PIS/Cofins, para aquelas empresas que participam do regime não-cumulativo, essa modificação trará, inevitavelmente, significativo aumento da carga tributária, conforme se verifica:  

“Art. 3º – Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:  

(…)

§2º Não dará direito a crédito o valor:

(…)

III – do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição.”

(Alteração do art. 3 da Lei 10637/2002 e art. 3º da Lei 10833/03, promovida pela MP n° 1.159/2023)

A Medida Provisória foi editada pelo governo com o objetivo de ‘equilibrar’ as contas públicas, em razão da tese pacificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que excluiu o ICMS das bases de cálculo do PIS e da Cofins, denominada ‘tese do século’. Como se sabe, em 2017 o STF decidiu pela exclusão do ICMS destacado em Nota Fiscal da base das contribuições, fixando-se tese de repercussão geral (Tema 69), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 574706. 

Esta modificação, todavia, nos parece ser inconstitucional e ilegal, já que seus efeitos e consequências podem ser plenamente questionáveis pelos contribuintes, uma vez que: 

a) Na apuração do crédito de PIS/Cofins, o valor do ICMS, recuperável ou não àquele que adquire, sempre estará incluso no custo de aquisição, não havendo margem de opção para o contribuinte. E se compõe o custo de aquisição da mercadoria, deve compor a base de créditos de PIS e COFINS;

b) A MP subverte a matriz constitucional da não-cumulatividade do PIS e Cofins, pois, diferentemente do que ocorre com o ICMS e o IPI (não cumulatividade imposto x imposto), a não cumulatividade do PIS e Cofins adota o critério da base x base (ou receitas x despesas).  O STF deixou claro, no julgamento do tema 756 (ilegalidade das restrições à não cumulatividade do PIS e Cofins), que a efetiva incidência na etapa anterior não é condição para que os gastos ensejem direito a crédito das contribuições, ou seja, afastou a não cumulatividade do PIS e Cofins pelo critério imposto x imposto;

c) O critério receitas x despesas adotado para não cumulatividade do PIS e Cofins está estampado no que a própria legislação prevê quando trata, por exemplo, da aquisição de bens e serviços de empresas sujeitas ao lucro presumido e ao SIMPLES, na medida em que ensejam créditos, quando cabíveis, com a aplicação de alíquotas superiores aquelas “incidentes” nas apurações desses fornecedores;

d) Se considerarmos que o critério de não cumulatividade do PIS e Cofins seria imposto x imposto, seria forçoso concluir também que o direito ao creditamento se aplica a toda e qualquer aquisição que tenha sofrido a incidência das contribuições. Se fosse esse o caso, a conclusão do julgamento do Tema 756 teria sido diverso e o STF teria afastado as restrições à não cumulatividade, o que não ocorreu; 

e) A Medida Provisória viola a isonomia e a ordem concorrencial, na medida em que prevê o aproveitamento dos mesmos montantes de créditos ainda que os contribuintes desembolsem valores distintos na aquisição de mercadorias e serviços, em função de diferentes alíquotas de ICMS que podem ser aplicadas nas operações (4%, 7%, 12% ou 18%, entre outras); e

f) A restrição ao crédito sobre a parcela do ICMS também pode ensejar violação ao pacto federativo, ao tornar mais atraentes as aquisições de mercadorias de estados com benefícios fiscais. A lógica é a de que, se atualmente em uma aquisição interna com ICMS a 18% (sem benefício) o crédito de PIS/Cofins é superior ao de uma transação interestadual a 4%, 7% ou 12% (ainda que esses percentuais não sejam integralmente cobrados pelos Estados de origem), pois o ICMS inferior torna a base desses créditos também inferior, talvez os ganhos com benefícios de ICMS não justifiquem a operação com fornecedores de outros Estados, justamente pela diferença que o ICMS traz nos créditos de PIS/Cofins.

Desse modo, tem-se que a nova regra tributária lançada pelo governo tratará igualmente situações distintas, seja pelos montantes efetivamente gastos pelos adquirentes, seja pela origem das mercadorias.

Essa distorção pode levar os contribuintes a alterar suas cadeias de suprimentos, podendo ainda trazer consequências concorrenciais e acarretar violações à isonomia e à não discriminação em função da origem dessas mercadorias, o que é vedado pela Constituição Federal.

Em razão disso, os contribuintes podem levar a questão ao Poder Judiciário, sendo recomendável a impetração de mandado de segurança com o objetivo de afastar os efeitos e consequências da Medida Provisória n° 1.159/2023, para manter a inclusão do ICMS nas bases de crédito do PIS e da Cofins.

A equipe do Tributário Contencioso do Hondatar Advogados fica à inteira disposição para auxiliar as empresas e entidades de classe que desejarem discutir judicialmente essa tese, bem como prestar maiores esclarecimentos a respeito do presente tema.