Juntas comerciais e as regras para a publicação de balanços patrimoniais por sociedades limitadas de grande porte

Juntas comerciais e as regras para a publicação de balanços patrimoniais por sociedades limitadas de grande porte

Ao longo dos últimos anos, o registro de atas de deliberação de contas e do resultado do exercício de sociedades de grande porte, não constituídas sob o tipo “sociedade anônima”, esteve condicionado à publicação das demonstrações financeiras em imprensa oficial e periódicos de grande circulação, ou em alguns casos, a depender dos valores dos ativos ou da receita bruta auferida no exercício encerrado.

Não por acaso, a obrigação de publicar as demonstrações financeiras se tornou inconciliável com o interesse das sociedades de grande porte, não constituídas sob a forma de sociedade anônima (S/A), de manter suas informações econômico-financeiras restritas ao âmbito interno, destinadas unicamente aos seus sócios, razão de ser do próprio tipo societário adotado. Por isso, diversas empresas deixaram de registrar a aprovação de suas contas diante de tal percalço.

O fundamento legal usado como justificativa pelas Juntas Comerciais para obrigar a publicação pelas sociedades de grande porte em geral, independentemente do tipo societário adotado, baseia-se na Lei nº 11.638/07. Segundo tal entendimento, as sociedades empresariais de grande porte, mesmo quando não constituídas sob a forma de sociedade por ações, estariam sujeitas às disposições da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das S/A) no que se referem a tais publicações, conforme art. 3º abaixo transcrito:

Lei nº 11.638, de dezembro de 2007

Art. 3º Aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários.

Parágrafo único. Considera-se de grande porte, para os fins exclusivos desta Lei, a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).

(grifo nosso)

Como é possível verificar, o art. 3º da Lei nº 11.638/07 não menciona a “publicação”, apenas “escrituração e elaboração de demonstrações financeiras”. Mas, as Juntas Comerciais aplicaram técnicas de interpretação denominadas “sistemática” e “teleológica”, isto é, baseadas na integração da norma com disposições legais correlatas (sistemática) e de acordo com a função e finalidade da norma no contexto jurídico, social e econômico-financeiro em que está inserida (teleológica), para estender a obrigação também para a publicação. Assim, entenderam que a obrigação de publicação depende da leitura conjunta da Lei nº 11.638/11 com o art. 289 da Lei das S/A, e dessa junção decorreria a publicação funcionando como procedimento vinculado à escrituração prevista no art. 3º da Lei nº 11.638/07, na qual a existência de um pressupõe a existência do outro.

Veja como no início de vigência da Lei nº 11.638/07, o antigo DNRC – Departamento Nacional de Registro de Comércio, substituído pelo DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração, órgão tecnicamente superior às Juntas Comerciais, vinculado ao governo federal, através do item 7 do Ofício Circular nº 099/2008-DNRC, orientou as Juntas Comerciais no sentido de ser apenas uma faculdade das sociedades de grande porte (não S/A) a publicação das contas. Isto é, o entendimento do próprio DNRC pressupunha não haver essa correlação necessária entre escrituração e publicação.

Posteriormente, a ABIO – Associação Brasileira de Imprensas Oficiais ajuizou ação contra a União, a quem o antigo DNRC era vinculado, para obter a declaração da nulidade do item 7 do Ofício Circular nº 099/2008-DNRC que facultava a publicação, sob a justificativa de haver sim uma correlação entre escrituração e publicação e, por isso, a norma do DNRC violaria justamente o art. 3º da Lei nº 11.638/07, que pretensamente tornava obrigatória a publicação. A pretensão da ABIO obteve êxito e o Ofício Circular nº 099/2008-DNRC foi declarado nulo em 1ª instância, por decisão da 25ª Vara da Justiça Federal de São Paulo/SP, nos autos do processo 0030305-97.2008.4.03.6100. Então, as Juntas Comerciais passaram a editar enunciados para obrigar a publicação das demonstrações financeiras previamente ao registro de atas de aprovação de contas. Vide como exemplo a Deliberação JUCESP nº 2/2015, que obrigava a publicação das demonstrações financeiras por ocasião do registro de atas de aprovação de contas, a qual foi substituída pela Deliberação JUCESP nº 1/2022.

Todavia, uma análise atenta do processo legislativo que culminou na Lei º 11.638/07 indica ter ocorrido um silêncio intencional do legislador, que excluiu deliberadamente o termo “publicação” dentre as obrigações previstas no art. 3º da lei. Tal critério de interpretação, denominado “originalista”, baseia-se na intenção ou vontade do legislador, acaba por se revelar o mais preciso para a compreensão da norma, até mesmo pelo fato de a aplicação dos métodos sistemático e teleológico apresentar lacunas, na medida de existir disposição expressa no art. 289 da Lei das S/A capaz de conclusivamente autorizar ser a publicação uma etapa obrigatória implícita vinculada à escrituração.

Logo, a edição de normas pelas Juntas Comerciais para tornar a publicação obrigatória afronta o art. 3º da Lei nº 11.638/07 e viola o princípio da legalidade, quando se trata de mera faculdade a critério das sociedades de grande porte constituídas sob outra forma que não uma sociedade anônima.

Tal entendimento foi utilizado como base jurídica para entidades representativas das empresas postularem em juízo o reconhecimento do caráter facultativo das publicações e contribuíram para sedimentar tal entendimento. Vide o exemplo do mandado de segurança coletivo impetrado pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo – CIESP, que não estava sujeita aos efeitos da decisão favorável em 1ª instância obtida pela ABIO por não ter sido parte na lide, ajuizar mandado de segurança coletivo, o qual obteve provimento judicial favorável para afastar a obrigatoriedade de publicação estabelecida pelas Deliberações acima mencionadas da Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP, que beneficiou todas as empresas associadas.

Em 28 de outubro de 2022 a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), reformou a sentença de 1º grau que a ABIO havia obtido para obrigar a publicação, e reconheceu a legalidade do item 7 do Ofício Circular nº 099/2008-DNRC, sobre a facultatividade da publicação das contas, reforçando a decisão favorável obtida pela CIESP no sentido de a interpretação correta ser aquela que considera mera faculdade a publicação das demonstrações financeiras pelas sociedades de grande porte que não sejam S/A. Logo na sequência, o DREI emitiu o Ofício Circular SEI nº 4742/2022/ME, em 25 de novembro de 2022, no sentido que:

DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração

Ofício Circular SEI nº 4742/2022/ME

Item 5

(…)

“… diante da citada decisão, as Juntas Comerciais deverão acolher o entendimento que as publicações das demonstrações financeiras das referidas sociedades limitadas de grande porte em Diário Oficial e em outros jornais de grande circulação são meramente facultativas. Dessa forma, não deverão ser postos em exigência, tampouco indeferidos, os processos de arquivamento de atos societários sob a alegação de não comprovação das mencionadas publicações.”

Cumpre mencionar que antes mesmo do Ofício Circular nº 4742/2022/ME, a JUCESP emitiu a deliberação 02/2022, de 31 de agosto de 2022, para suspender a Deliberação JUCESP nº 01/2022, de 06 de julho de 2022, que mantinha a obrigatoriedade de publicação das demonstrações financeiras.

Por ora, a regulação atualmente vigente passa a reconhecer ser mera faculdade das sociedades de grande porte não constituídas sob o tipo sociedade anônima, a publicação de suas demonstrações financeiras por ocasião do registro de atas de aprovação de contas e de resultados.

Embora haja sinal de convergência de entendimentos no âmbito judicial, e na esfera extrajudicial o tema adquiriu contornos de uniformidade e legalidade, não há uma decisão vinculante geral capaz de encerrar de vez a celeuma, de modo não ser possível descartar a possibilidade de questionamentos judiciais pontuais, ainda que a discussão tenha perdido força com os pronunciamentos judiciais a favor da facultatividade das publicações por quem não é sociedade anônima.

A Equipe de Societário e Contratos do Hondatar Advogados fica à inteira disposição para auxiliar as empresas e entidades de classe que desejarem maiores esclarecimentos a respeito do tema.

Glauber Julian Pazzarini Hernandes

ghernandes@hondatar.com.br

Priscila da Silva Barbosa

priscila.barbosa@hondatar.com.br