EUA e a escalada tarifária: mitigação de riscos e oportunidades contratuais no comércio internacional

Na véspera da entrada em vigor das tarifas impostas pelos EUA ao Brasil, empresários brasileiros já começam a repensar suas estratégias comerciais em vista de um cenário instável e sujeito a mudanças abruptas.

Seja em operações de curto, médio ou longo prazo, a atual conjuntura reforça a necessidade de as empresas brasileiras adotarem medidas preventivas para mitigar riscos decorrentes de novas imposições tarifárias ou de alterações regulatórias que impactem diretamente os custos, prazos ou mesmo a execução de contratos.

Neste sentido, é imprescindível ter um olhar estratégico sobre as ferramentas jurídicas que permitem a revisão ou reestruturação de contratos de abrangência internacional, de modo a garantir proteção e viabilidade para o negócio.

Dentre os principais mecanismos contratuais aplicáveis, destacam-se:

  1. Cláusulas de Força Maior (Force Majeure Clauses): Referem-se a eventos imprevisíveis, inevitáveis e fora do controle das partes, que tornam materialmente impossível o cumprimento de obrigações contratuais. Exemplos incluem catástrofes naturais, conflitos armados, pandemias ou medidas estatais severas — como a imposição súbita de tarifas comerciais (sudden tariff impositions). Embora o conceito legal de força maior exclua dificuldades meramente econômicas, é possível ajustá-lo contratualmente para incluir atos governamentais ou alterações abruptas na política comercial. A eficácia da cláusula dependerá da redação precisa e da demonstração de causalidade direta entre o evento e a impossibilidade de cumprimento. Em contextos de escalada tarifária entre EUA e Brasil, a cláusula pode justificar a suspensão, prorrogação ou até exoneração da obrigação contratual.
  1. Cláusulas de Impossibilidade Superveniente (Supervening Impossibility / Frustration of Purpose): Aplicam-se quando a prestação se torna objetivamente impossível em virtude de fato superveniente, imprevisível e não imputável ao devedor. Em uma “guerra tarifária”, a imposição repentina de tarifas excessivas pode inviabilizar economicamente a execução contratual — especialmente se os custos adicionais descaracterizarem o equilíbrio original do negócio (contractual equilibrium). Ainda que a mera onerosidade não configure impossibilidade jurídica, circunstâncias extremas, como a proibição legal de importação/exportação ou a inacessibilidade a insumos críticos, podem caracterizá-la. Em contratos internacionais, sua aplicabilidade exige atenção à lei aplicável (governing law) e à análise do nexo de causalidade entre o evento tarifário e a frustração do contrato.
  1. Cláusulas de Hardship (Hardship Clauses / Economic Imbalance): Destinam-se a preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato diante de circunstâncias excepcionais, imprevisíveis e fora do controle das partes, como colapsos cambiais (currency devaluation), crises econômicas, guerras, pandemias ou alterações legislativas severas. Nessas hipóteses, a parte afetada poderá solicitar, por escrito, a renegociação das condições contratuais (renegotiation request), devendo demonstrar a alteração substancial das circunstâncias originalmente previstas (material adverse change). A cláusula não garante a revisão automática, mas impõe um dever de negociação com base na boa-fé, podendo culminar, em última instância, na revisão judicial ou arbitral do contrato, conforme estipulado na cláusula de resolução de disputas.
  1. Cláusulas de Conduta ou Tratamento (Behavioral Clauses / Best Efforts and Good Faith): Em ambientes contratuais voláteis, é recomendável pactuar obrigações expressas de conduta cooperativa. Tais cláusulas preveem que as partes deverão empregar seus melhores esforços (“best efforts” ou “commercially reasonable efforts”) para executar o contrato, renegociar de boa-fé (good faith renegotiation) e atuar com lealdade, transparência e mitigação de perdas. Essas obrigações reforçam a boa-fé objetiva (objective good faith) e conferem respaldo jurídico para exigir cooperação, evitando condutas oportunistas diante de adversidades econômicas.
  1. Cláusulas de Mudança na Legislação (Change in Law Clauses): Preveem a possibilidade de revisão contratual em decorrência de alterações legislativas, regulamentares ou administrativas (regulatory change) ocorridas após a assinatura do contrato, que impactem de maneira relevante sua execução. São particularmente úteis diante da criação de novas tarifas de importação/exportação, restrições comerciais ou obrigações fiscais adicionais. Essas cláusulas devem indicar o marco temporal de referência (cut-off date), o tipo de norma abrangida (applicable laws and regulations), a alocação de riscos entre as partes (risk allocation) e os procedimentos de ajuste contratual, que podem incluir alteração de prazos, reajuste de preços ou extinção antecipada.
  1. Cláusulas de Gatilho (Trigger Clauses / Price Adjustment Mechanisms): Estabelecem indicadores objetivos e mensuráveis (objective thresholds) que, ao serem atingidos, acionam automaticamente mecanismos de renegociação ou reequilíbrio contratual. Exemplos comuns incluem variações cambiais acima de determinado percentual (exchange rate fluctuation), aumento substancial de tarifas (tariff escalation) ou elevação de custos operacionais superiores a um limite previamente definido. Essas cláusulas conferem previsibilidade e mitigam litígios ao definirem tolerância econômica contratual (economic threshold) e consequências específicas para o desequilíbrio, como revisão de preço (price adjustment), suspensão de obrigações ou rediscussão do contrato.
  1. Medidas Processuais Emergenciais (Emergency Relief / Ex Parte Orders): Em determinados sistemas jurídicos e câmaras arbitrais, é possível invocar mecanismos emergenciais, como pedidos ex parte ou emergency arbitration, quando há risco iminente de dano irreparável ou dissipação de ativos (irreparable harm or dissipation of assets). Embora mais raros, esses instrumentos podem ser cruciais quando a parte brasileira precisa proteger seus interesses contra condutas abusivas ou inadimplemento iminente de parceiro estrangeiro. A viabilidade e eficácia dessas medidas dependerão da jurisdição escolhida (jurisdiction clause) e das regras do centro arbitral eleito (institutional rules).

Nesse contexto, recomenda-se que empresas e demais agentes no comércio exterior:

  • Revisem seus contratos atuais com foco específico nas cláusulas que tratam de mudanças regulatórias, tarifas e alocação de riscos;
  • Considerem incluir cláusulas específicas em novos contratos que prevejam mecanismos de ajuste ou renegociação em caso de alteração do cenário comercial internacional;
  • Acompanhem as movimentações políticas e regulatórias de seus principais mercados, especialmente os EUA, para se antecipar a eventuais impactos;
  • Estejam juridicamente preparadas para atuar tanto em renegociações quanto em arbitragens e litígios judiciais, caso a imposição de tarifas ou outras medidas venha a comprometer a viabilidade contratual.

Assim, a adoção de uma abordagem contratual preventiva, estratégica e tecnicamente fundamentada permite que empresas brasileiras preservem sua competitividade e segurança jurídica no comércio internacional, mesmo em um ambiente sujeito a medidas unilaterais e instabilidade geopolítica.

As áreas de Comércio Internacional e de Contratos do HONDATAR Advogados permanece à disposição para auxiliar as empresas e entidades de classe que desejarem maiores informações sobre o assunto.

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Glauber Julian Pazzarini Hernandes

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