A exibição de documentos sob a ótica do Novo Código de Processo Civil

documentos

Por Felipe Novaes e Leonardo Ribeiro.

Prestes a completar quatro anos de vigência, o Novo Código de Processo Civil permanece despertando muitas dúvidas, como é o caso da supressão dos procedimentos cautelares, que até então se apresentava sem uma aparente solução.

Em que pese a alteração tenha sido objeto de crítica por parte da doutrina especializada, isso não quer dizer que a atual codificação buscou restringir o acesso do jurisdicionado ao Poder Judiciário, tendo ela tão-somente reduzido o número dos infindáveis procedimentos especiais existentes, ou, quando menos, procedido à sua simplificação.

Isso é o que ocorreu, por exemplo, com a ação cautelar satisfativa de exibição de documentos que, embora tenha tido seu procedimento suprimido pela atual legislação, foi substituída pela possibilidade do ajuizamento de uma ação autônoma que objetiva a exibição do documento almejado, sob o fundamento do próprio direito subjetivo de acesso à informação:

“A tutela exibitória poderá também ser exigida por meio de ação principal, quando tiver por fundamento o direito subjetivo material ao acesso ao documento ou coisa (seja fundado em titularidade, seja em interesse legítimo). Nesse caso, o direito à exibição é autônomo a qualquer outro direito e será o objeto da própria tutela. […] Assim, nos casos em que a parte pretenda a exibição com fundamento no direito material ao documento, poderá se utilizar da referida medida para sua obtenção, em vez da hoje utilizada ‘cautelar de exibição’. Aliás, dada a natureza material da tutela efetivamente prevista no art. 844 do atual CPC de 1973, parece ser esse, em verdade, o verdadeiro sucedâneo da exibitória autônoma atual.” (RAMOS, Rodrigo. Os efeitos jurídicos do descumprimento da ordem de exibição de documento ou coisa no novo Código de Processo Civil. In: JOBIM, Marco Félix, FERREIRA, William Santos. Direito Probatório. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015. págs. 680-682)

E não podia ser diferente, já que tal ação tem por fundamento a necessidade de acesso ao documento de titularidade própria, ou ainda que de terceiros, pela demonstração do legítimo interesse sobre o seu conteúdo, desde que, é claro, seja previamente comprovada a existência de relação-jurídica entre as partes, como ocorre nas relações consumeristas (v.g., acesso do consumidor às câmeras de vigilância para fins de reparação civil na qualidade de vítima do evento[1]) e tributárias (v.g., acesso aos contratos bancários para fins de comprovação da fraude na contratação de financiamentos de veículos e, por consequência, comprovar a inexistência de relação jurídico-tributária que lhe obrigue a arcar com o IPVA).

Ainda que assim não fosse, nada impediria o manejo desta medida como “tutela provisória cautelar antecedente de exibição de documentos”, sem a necessidade de formulação do pedido principal no prazo legal, em função do caráter satisfativo da pretensão[2], dando-se o mesmo tratamento dispensado às ações de produção antecipada de provas (art. 381 e ss. do NCPC), pois muitas vezes o documento buscado servirá como prova perante terceiros, e não necessariamente contra o próprio demandado, como nos exemplos dados acima.

Todavia, o que não pode ocorrer em qualquer hipótese é deixar-se de evitar o perecimento do direito, que muitas vezes se encontra em situação de risco iminente, sob o fundamento da inadequação da via eleita[3], pois cumpre ao magistrado aplicar o direito aos fatos trazidos pelas partes no processo (“da mihi factum, dabo tibi ius”[4]), cabendo, se for o caso, recebê-la como se produção antecipada de provas fosse, embora entendamos não ser esta a melhor solução.

Ocorre que, diante da controvérsia instaurada nas instâncias ordinárias, que ora entendiam pelo cabimento da ação autônoma, ora pela inadequação da via eleita, essa discussão foi recentemente enfrentada pelo STJ, no âmbito do REsp nº 1.803.251/SC[5], em que se reconheceu a possibilidade de a exibição de documento ser satisfativa por si só, por força do direito material à prova, não sendo necessário, portanto, que se envide ação judicial contra a pessoa de quem se exigiu o documento, nem tampouco contra pessoa alguma.

O referido acórdão não só reconheceu a possibilidade do ajuizamento de uma ação autônoma, como também a superação da Súmula nº 372 do STJ[6], que vedava a aplicação de multa cominatória, passando a permitir a adoção de todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que a ordem seja cumprida (fls. 11), acaso o demandado se recuse injustificadamente a fornecer os documentos exigidos, nos termos do art. 399 c/c art. 400, p.u., do NCPC[7].

 Neste sentido, é o que vem reconhecendo o TJSP[8]:

“EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – CONTRATOS BANCÁRIOS – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DECISÃO QUE ORDENA A EXIBIÇÃO DOS DOCUMENTOS INDICADOS NO TÍTULO JUDICIAL, DENTRO DO PRAZO DE 30 DIAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA DE R$ 500,00, LIMITADA AO MONTANTE DE R$ 20.000,00 – CABIMENTO – ENUNCIADO DA SÚMULA 372, DO COLENDO STJ, QUE FICOU SUPERADO, DIANTE DO QUE ESTABELECE O PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 400, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – INÉRCIA DO AGRAVANTE QUE JUSTIFICA A ADOÇÃO DA MEDIDA – […]” (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2037847-75.2018.8.26.0000, 23ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. PAULO ROBERTO DE SANTANA, DJe 23.05.2018)

Isto foi também o que reconheceu o Enunciado nº 54 do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, verbis:

“Enunciado nº 54. (art. 400, parágrafo único; art. 403, parágrafo único) – Fica superado o enunciado 372 da súmula do STJ (‘Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória’) após a entrada em vigor do CPC, pela expressa possibilidade de fixação de multa de natureza coercitiva na ação de exibição de documento.”

Não destoa do entendimento a melhor doutrina nacional:

“[…] o novo Código inovou ao permitir que o juiz, se necessário for, adote medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido (art. 400, parágrafo único). Com essa previsão, o NCPC afasta o entendimento da Súmula nº 372 do STJ, que impedia a imposição de multa à parte que descumprisse a ordem exibitória” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. pág. 483)

 “O parágrafo único incluído no art. 400 do NCPC é novidade no procedimento de exibição de documento ou coisa. Admitem-se medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido. Compete ao magistrado a escolha da medida que melhor se compatibilize com as peculiaridades do caso concreto. […] há inovação quanto ao entendimento consagrado na Súmula 372 do STJ. […] no REsp 1.359.976/PB, julgou-se ser cabível multa diária à empresa que não cumpre ordem judicial em ação de exibição de documentos […] estabelecendo-se uma distinção ante as peculiaridades do caso.” (MANGONE, Kátia Aparecida. in Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. pág. 1.065)

Como visto, a subsistência do procedimento de exibição de documentos é uma realidade que deve ser enfrentada com cautela pelos magistrados, pois, se privilegiado o formalismo em detrimento do próprio direito tutelado, como o era no diploma de 1939, estaremos na contramão de tudo aquilo que se pretendeu com a atual codificação, em que “a efetividade do processo é um dos valores centrais do novo direito processual civil brasileiro”[9].


[1] CDC: “Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”

[2] Em relação à natureza satisfativa das tutelas cautelares, não se desconhece que o entendimento jurisprudencial é pela sua excepcionalidade, tendo o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do AgInt no REsp nº 1.755.331/MG, de relatoria do Min. Marco Aurélio Belliuzze, afirmado que tal excepcionalidade deve estar prevista em lei.

[3] Infelizmente, isto é o que tem feito a maior parte das Câmaras de Direito Privado do TJSP.

[4] Tradução: Me dá os fatos e eu te darei o direito.

[5] STJ, REsp nº 1.803.251/SC, Terceira Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 08.11.2019.

[6] Súmula nº 372 do STJ: “Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória.”

[7] Destaca-se também: “Art. 139.  O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: […] IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;”

[8] No mesmo sentido: AI nº 2081872-47.2016.8.26.0000, 29ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. SILVIA ROCHA, DJe 16.05.2016; AI nº 2082850‑24.2016.8.26.0000, 18ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. ROQUE ANTONIO MESQUITA DE OLIVEIRA, DJe 15.07.2016; e AI nº 2049831‑27.2016.8.26.0000, 22ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. ALBERTO GOSSON, DJe 20.07.2016.

[9] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008. pág. 93.

FELIPE CONTRERAS NOVAES – Conselheiro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. Área Tributária do Honda, Teixeira, Araujo, Rocha Advogados.
LEONARDO PRADO RIBEIRO – Mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie). Membro da Comissão da Igualdade Racial da OAB/SP. Área Cível do Honda, Teixeira, Araujo, Rocha Advogados.