Herança e Contas no Exterior: Planejamento, Riscos de Dupla Tributação e Inventário Internacional

A busca por melhores oportunidades de investimento, estabilidade econômica e segurança jurídica tem levado muitos brasileiros a diversificar seu patrimônio e a abrir contas bancárias e estruturas financeiras no exterior. Além de potenciais ganhos de rentabilidade e acesso a mercados consolidados, fatores como instabilidade política, volatilidade cambial e incertezas regulatórias internas também impulsionam esse movimento de internacionalização de recursos.

Em diversos casos, a destinação de patrimônio para o exterior não se limita a objetivos de investimento, mas reflete uma estratégia de planejamento sucessório, aproveitando-se da maior flexibilidade das legislações estrangeiras — especialmente de determinados estados norte-americanos — quanto à forma de disposição de bens e à sucessão de titularidade.

Contudo, embora essa prática possa oferecer benefícios de gestão e sucessão patrimonial, é essencial compreender as implicações jurídicas e tributárias decorrentes do falecimento do titular de tais contas e ativos.

Inventário no Exterior e Sucessão Internacional

De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, a Justiça nacional só tem competência para processar inventários relativos a bens situados em território brasileiro. Assim, recursos mantidos no exterior são regidos pelas normas do país em que estão localizados, o que pode gerar conflitos de jurisdição e sobreposição de procedimentos.

Enquanto o Brasil impõe regras rígidas de legítima, garantindo 50% do patrimônio aos herdeiros necessários, outros países permitem maior liberdade testamentária — a depender de cada legislação estadual ou federal aplicável. Nos Estados Unidos, por exemplo, há estados que autorizam arranjos mais flexíveis, permitindo ao titular determinar de forma autônoma a destinação da totalidade de seus bens.

Essa diferença normativa explica, em parte, o crescente interesse de famílias brasileiras em estruturar parte de seu patrimônio em jurisdições estrangeiras, buscando soluções mais eficientes para a transmissão intergeracional de riqueza.

Tributação Cruzada: ITCMD e Impostos Estrangeiros

O aspecto tributário é um dos pontos mais sensíveis do planejamento internacional. No Brasil, a transmissão causa mortis está sujeita ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência estadual, cuja alíquota pode chegar a 8%.

Nos Estados Unidos, por outro lado, o imposto sobre herança (estate tax) pode atingir até 40% (a depender do Estado), com isenção limitada a US$ 60 mil para estrangeiros não residentes. Em razão dessa disparidade, pode ocorrer dupla tributação, pois o imposto pago no exterior não é automaticamente compensável no Brasil.

Adicionalmente, alguns Estados brasileiros vêm reconhecendo a possibilidade de cobrança do ITCMD sobre bens localizados no exterior, tema que ainda carece de uniformização legislativa e jurisprudencial, sendo objeto de debate nos tribunais e nos projetos de reforma tributária.

Planejamento Sucessório e Mecanismos de Prevenção

Alguns países oferecem instrumentos contratuais que dispensam a abertura de inventário, garantindo maior agilidade e previsibilidade na sucessão.
Entre eles está o joint tenancy with right of survivorship, modalidade de copropriedade que transfere automaticamente a titularidade do bem ao cotitular sobrevivente. Esse modelo, bastante difundido nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, ainda não possui correspondência no sistema jurídico brasileiro.

Outras estruturas de planejamento sucessório internacional incluem a constituição de sociedades (holdings), trusts, estabelecer cotitularidade planejada de contas, a lavratura de testamentos internacionais, entre outros mecanismos capazes de otimizar a gestão intergeracional de patrimônio, reduzir custos sucessórios e mitigar riscos fiscais.

A Relevância do Planejamento Patrimonial Internacional

O planejamento patrimonial e sucessório internacional tornou-se, portanto, uma ferramenta essencial para a preservação de riqueza e a segurança jurídica das famílias com ativos fora do país. A ausência de uma estratégia estruturada pode gerar bloqueios de contas, disputas entre herdeiros e incidência cumulativa de tributos, além de prolongar significativamente o processo de sucessão.

O planejamento prévio, aliado à análise integrada de aspectos jurídicos, fiscais e sucessórios de cada jurisdição, é a única forma eficaz de garantir eficiência, proteção e conformidade legal na transmissão de patrimônio internacional.

Juliana Goetzke de Almeida

Área Societária e Fusões & Aquisições

juliana.almeida@hondatar.com.br