Como a legislação aduaneira pode viabilizar investimentos em tempos de incerteza?

Algumas medidas legais são instrumentos poderosos para reduzir tributos e encargos comerciais nas importações


1. Brasil, um país de oportunidades no comércio exterior

As incertezas predominantes nos ambientes de negócios no Brasil são, seguramente, uma das principais razões que colocam em dúvida a expansão dos diversos setores produtivos.

De fato, há muito impera um sentimento de insegurança jurídica na sociedade, que, somado aos desafios burocráticos e fiscais impostos pela legislação, desestimula a iniciativa empresarial a inovar-se e a investir em soluções mais competitivas a longo prazo.

Não sem razão: a publicação do Doing Business 2020 coloca o Brasil na 124ª posição (de 190) no índice geral de facilidade de se fazer negócios, o que se atribui especialmente às dificuldades na abertura e fechamento de empresas, no pagamento de impostos e no acesso a crédito.

Diante deste cenário, a decisão de investir em soluções para inovação e modernização da produção no Brasil aparenta ser um desafio de alto risco.

No entanto, mesmo com tantas adversidades, o empresariado brasileiro não deixou de pensar em novas perspectivas em 2020. Em publicação recente, a Confederação Nacional das Indústrias – CNI apontou que, no ano passado, 69% das empresas realizaram algum investimento e 47% investiram conforme o planejado.

Isso sugere que, apesar dos tempos de incerteza, a indústria tem se mobilizado para se inovar, na esperança de que, quando da retomada econômica, possa sair à frente da concorrência com produtos tecnologicamente mais avançados e a um custo produtivo menor.

A questão que se coloca é saber quais os principais mecanismos aduaneiros que podem ser utilizados para reduzir custos dos investimento, viabilizando a inovação e a competitividade, com a finalidade de desmistificar a crença de que investir no Brasil é necessariamente um alto risco.


2. Admissão temporária para utilização econômica

Dados obtidos junto à Receita Federal do Brasil mostram que o número de importações temporárias no Brasil cresceu quase 95% no triênio 2017-2019.

A expressiva evolução desses números sugere que cada vez mais empresas se utilizam deste expediente em suas rotinas operacionais, inclusive para viabilizar a aquisição de bens de capital estrangeiros a um custo fiscal e negocial baixo.

Mas de que modo isto pode ser feito?

Do ponto de vista legal, a importação temporária corresponde ao denominado “Regime Aduaneiro Especial de Admissão Temporária”, pelo qual é permitida a importação temporária de determinados bens com suspensão total ou parcial dos tributos incidentes na importação.

A Admissão Temporária é regulada pela IN RFB nº 1.600/2015, legislação esta que prevê 3 modalidades gerais para o regime: (i) admissão temporária com suspensão total de tributos, (ii) admissão temporária para utilização econômica e (iii) admissão temporária para aperfeiçoamento ativo.

Em se tratando da realização investimentos, o destaque vai para admissão temporária para utilização econômica. Isto porque esta modalidade possibilita o ingresso de equipamentos, maquinários e demais bens destinados à prestação de serviços a terceiros ou à produção de outros bens destinados à venda com suspensão parcial dos tributos aduaneiros.

Na prática, o regime viabiliza a execução de contratos de arrendamento, aluguel ou empréstimo de máquinas e equipamentos, novos ou usados, firmados com empresas no exterior, dispensando a obrigatoriedade de adquirir estes bens de forma definitiva.

A principal vantagem é a de que os tributos aduaneiros são cobrados de forma proporcional ao tempo de permanência dos bens no País definidos no contrato, à ordem de 1% ao mês. Ou seja, caso o contrato de arrendamento, aluguel ou empréstimo tenha duração de 5 anos (60 meses) por exemplo, o beneficiário do regime deverá arcar com “apenas” 60% dos tributos federais devidos no desembaraço aduaneiro.

O prazo do regime é o mesmo da duração do contrato, mas limitado a 100 meses. No entanto, a Receita Federal permite tanto a prorrogação quanto a concessão de novo regime sem a saída da mercadoria do Brasil.

Ao final, em regra, o importador deverá devolver o bem ao exterior. Mas, caso tenha interesse em adquirir a mercadoria definitivamente, poderá solicitar sua nacionalização, ocasião em que serão cobrados os tributos aduaneiros inicialmente suspensos, com correção monetária.

Na nacionalização também deverão ser observadas as regras atinentes ao tratamento administrativo vigente. Por essa razão, caso o bem tenha sido admitido na condição de usado, o beneficiário deverá adotar as providências necessárias à obtenção de Licença de Importação – LI, condicionada à demonstração de inexistência de produção nacional equivalente.

Logicamente, a legislação impõe uma série de prazos e requisitos, cuja inobservância poderá resultar em exigências pecuniárias, como tributos e multas.

Porém, se bem assessorada quanto ao acompanhamento do regime, a empresa beneficiária certamente viabilizará a execução de investimentos em sua produção a um custo comercial e fiscal mais atrativo.


3. Ex-tarifário

“Ex-tarifário” corresponde a uma denominação genérica para os bens que possuem tarifas de importação diferenciadas em cada país do Mercosul.

No Brasil, há diversas modalidades de “ex” que podem ser aproveitadas pelos importadores, sendo as mais conhecidas as reduções temporárias do imposto de importação para bens de capital (BK) e bens de informática e telecomunicações (BIT) sem produção nacional equivalente.

Com efeito, a Portaria ME nº 309/2019 permite a redução da alíquota do imposto de importação para 0% nas hipóteses de BK e BIT não produzidos no Brasil.

A redução do gravame tem como objetivo justamente o de incentivar os setores produtivos locais a renovarem seus bens de produção, o que confere mais autonomia tecnológica e competitividade às empresas brasileiras.

Para tanto, basta que o interessado formule seu pedido junto ao Ministério da Economia, lembrando que a redução somente será concedida para os BKs e BITs que não tiverem produção nacional.

Alguns cuidados devem ser tomados quando da solicitação, tais como o de reunir todas as informações e documentos exigidos pela legislação, além de elaborar um descritivo que seja fiel às características do bem importado, evitando, assim, maiores entraves no momento em que se der início o despacho de importação.

O aproveitamento do “ex” também exige planejamento, visto que os pleitos são submetidos a uma rigorosa análise antes de serem deferidos, o que naturalmente leva algum tempo. Com isto em mente, recomenda-se sempre efetivar as importações após a publicação do benefício, reduzindo, assim, as chances de maiores entraves aduaneiros.

Assim como no caso da admissão temporária, se bem assessorada, a empresa solicitante certamente terá capacidade de minimizar os encargos tributários na importação a um baixo risco.


4. Conclusão

Aqui, nossa pretensão foi a de desmistificar ideias comuns de que não há espaço para investir e crescer no Brasil. Sob o prisma da legislação aduaneira, foi possível elencar ao menos dois regimes distintos que viabilizam cada vez mais as trocas internacionais e a inovação, seja para reduzir os encargos comerciais, seja para minimizar os custos fiscais.

Sabemos que o cenário atual propõe um desafio nunca antes enfrentado e entendemos que todos os esforços devem ser direcionados à superação das adversidades correntes.

Mas, para além disso, pensamos que as oportunidades estão abertas. E, no que depender da legislação aduaneira, a inciativa privada tem mais dois ótimos motivos para olhar adiante.


A área de Comércio Internacional permanece à disposição para auxiliar as empresas e entidades de classe que desejarem maiores informações sobre o assunto.

AUTOR

Felipe Rainato Silva

Comercio Exterior

felipe.silva@hondatar.com.br

RESPONSÁVEL PELA ÁREA

Rita de Cássia Correard Teixeira

Comercio Exterior

teixeira@hondatar.com.br